Lughnasadh chegou bem de mansinho pra minha
surpresa... pensei em escrever algo mais sucinto e resumido do que foi pra mim
esse rito, mas ao começar a escrever meu relato entre cachimbadas... intui, que
devia ser mais eu nisso... e fazer o que gosto...detalhar, ou
melhor...derramar...rs
Então, mais uma vez, senta que lá vem
história....
Lembro de pensar com estranheza várias vezes, ao
cuidar da alimentação e dos banhos energéticos em “como tudo está simples e bem
resolvido”.
No inicio me incomodou pensar que não estava
naquela euforia desmedida de arrumar tudo e ansiedade pro dia chegar logo. Somente
lá no sítio, fui capaz de refletir e perceber que o alarde não é mais
necessário. Isso já virou uma “rotina” em minha vida...uma rotina boa... como
se td fosse tão natural, que o corpo não
refletia inquietação por algo tão conhecido... Eu estava “em casa”. Sabia o que tinha que fazer, o que
tinha que levar... e aos poucos entendi que a falta daquela aceleração que
antecedia os rituais, não eram mais necessária. Eu amadureci isso em mim, e
trago td comigo dia após dia... por isso td soou tão natural e “normal”.
Duas semanas antes, já sentia os trabalhos astrais, a presença dos mestres,
lembranças de caminhos e lugares em que fomos todos juntos fraternalmente guiados
pelo gato preto e o senhor de túnica negra que andava ao seu lado, lembro
vagamente de cenas que ainda me
emocionam e tiram o fôlego. Um episódio que lembro bem e acho engraçado até,
foi uma em que todos estavam em um lugar cheio de rochedos... bem diferente do
que costumo ver em trabalhos astrais com a clan... e fomos em direção a uma
antiga estrada de trilhos de ferro... no meio do nada... como uma cidade
fantasma... lembro de olhos inquietos querendo saber o que estávamos fazendo
ali... e qdo chegamos... o gato preto deu um sorriso e disse... Relaxa gente,
vamos nos divertir... o importante é que entendam que pra atravessar “as linhas”
temos que nos arriscar e ter coragem, mas sem perdem a diversão e o sorriso no
rosto... aquilo me tocou muito... e desde então levo essa frase pra td!
Arrumei as malas uma noite antes, como disse
sabia exatamente o que levar, me sentia pronta... senti vontade de
meditar....fiz a meditação da árvore sagrada que compartilharia lá no rito com
o pessoal... que prazeroso e revigorante...senti muitos espíritos de luz
próximos... compartilhando minha emoção... Saudei-os e os vi por um tempo andar
pra lá e pra cá... não sentia sono, então fui ouvir musica e fazer um novo “patuá”
de proteção... gostei de mexer com artesanatos nessa noite... bordar... e
finalmente senti a bela presença do Deus que honramos nesse festival. Então
intui que estava na hora de deitar e adormeci...
Acordei sozinha, bem cedo... antes mesmo do
celular despertar... abri a janela e contemplei o silencio... um pouco depois,
uma lontrinha me liga e comecei a me arrumar e dei inicio ao percurso, ao início
de mais uma peregrinação...
Nos reunimos no metro... os novos foram me
achando... e foram demonstrando a ansiedade em cada gesto... lembrei de anos
atrás quando eu mesma cheguei ali pela primeira vez. Me senti feliz por fazer
parte de tudo isso. De ter me encontrado e encontrado a serenidade que pra mim
esse caminho representa... estava indo de encontro à minha paz.
Contratempos aconteceram... a van quebrou,
ficamos ali sem saber ao certo como tudo aquilo se resolveria... lembrei do “sonho”
com o gato... “não esqueça de se divertir”.. e relaxei... só de estar ali com
aquelas pessoas, longe de um mundo sufocante já me era uma grande realização...
achei melhor avisar ao pessoal no sitio que nos atrasaríamos... liguei para a
Gata amarela e me senti mais confortável ao saber que sabiam de nossa condição.
Chegamos ao nosso refúgio sagrado... que alegria
pisar naquelas terras... é como ser transportada para bem longe... é como tirar
todo peso e deixar lá fora... lá encontramos alguns sentados na cozinha
degustando já da culinária tradicional de nossos antepassados... fui
imediatamente me organizar pra participar das atividades... eu queria tudo... sempre
quero... RS
Fui na cozinha ver no que podia ajudar para o
preparo do nosso almoço... lá, td já estava em ordem e encaminhado pela
Bezouro... me dividi em auxiliá-la e tirar as fotos que fui incumbida de
cuidar. Passeei pelo salão onde ocorriam as palestras... passeei pelo sitio,
dando um abraço saudoso em cada espaço... ao lago... às árvores, céu e vento...
ao longe vi a Lontra já imerso em seus afazeres com a lenha...e vi como td se
encaixava bem... lembrei da grande teia a que estávamos conectados ali...
Pelo fim da tarde, as atividades deram uma parada...
o almoço fora degustado com tamanha alegria e devoção. Cada um foi cuidar de
suas atividades, lembro que continuei a sapear por toda parte... encontrei o
frater Lobo na beira da piscina ao
observar os novos que se reuniram lá.. falamos com eles um pouco sobre
assuntos que envolvia a Clan... apos isso, encontrei o gato preto e a coruja já
cuidando do feitio do chá e me senti feliz em estar ali
prestigiando. Fiquei a conversar com a sábia coruja enquanto o chá fervia... e
ao perceber que o chá me tocava a alma... fui em busca do que ela me
apresentava... liberdade... sai para caminhar mais um pouco... e encontrei o
Corvo se preparando para conversar com um dos "mestres"... me acheguei, senti o
chamado e o abracei... que experiência surpreendente! Nunca senti tanta paz,
tanta leveza e apreciação do universo em um trabalho com ele. É algo que até
prefiro não comentar, pois me levou pra longe, onde nem a fala era
necessária... onde fiquei distante fechada em meu mundo por um bom tempo...
apenas contemplando e aprendendo. Quando dei por mim, já estava escurecendo, e
a Lontra veio deitar ao meu lado, tivemos uma conversa que me aterrou um pouco,
mas não mudou a emoção e alegria que estava sentindo...
Fui me arrumar para o ritual da fogueira que
iria começar... Como sempre, essa é a parte que mais gosto... a comunhão com o
fogo sempre tão sagrada e íntima. Despertando sentidos quase que primitivos e
fluídicos.
Compartilhei a magia e alegria das meninas sendo
iniciadas... era visível a mudança em seus seres e semblantes.
O gato preto nos levou para um contato maior com
os animais guardiões... ali pude entender algumas das minhas atitudes ao
observar e sentir o urso... e vi que não adianta negar certas coisas, já que
são parte de mim... parte do que sou, e o aprendizado não está em se moldar pra
não ser... e sim saber o ser da melhor forma possível... me perdoei ali de
coisas que nem ao menos sabia que me incomodava.
A festa começou, a tradição transbordava na
noite fresca e clara, com a lua que reinava no céu tornando o quadro mais
agradável e perfeito. Muitas risadas, muita dança de roda... sorrisos entre máscaras
e músicas... comilança e fartura! Trazendo o conceito prático daquela
celebração.
A fogueira me chamou, e fui sentar-me perto
dela... algumas pessoas já estavam em volta... vários grupinhos de conversa...
o gato preto serviu-nos do vinho sagrado e senti que era hora de me aquietar...
deitei ao lado do fogo e comecei a olhar para o céu... um torpor enorme tomou
meu corpo, mas não era sono nem cansaço... aos poucos me vi em outros lugares,
mas sem me desgrudar dali... ouvia td que diziam, algumas coisas me chamavam
atenção, mas logo eu bloqueava e voltava para o trabalho. Rico! É o que posso
dizer sobre ele... mais uma vez fui pra dentro do fogo dançar com as chamas e
brasas... foi lindo... sensação única. Foi quando um estalar de lenha me
indicou uma lontrinha encolhida no chão de pedra gelado e fui acomoda-la no meu
colchão... cobri direitinho e lembrei de como é bom e importante pra mim, cuidar
dos que amamos.
Passei a noite ali, ao lado do fogo e dos irmãos
velando a noite interminável. Cada vez que abria os olhos, um cenário
diferente... o céu estava diferente... ora enluarado, ora estrelado, ora negro
e encoberto... a temperatura também ia mudando... como se vivêssemos muitas
noites naquela mesma noite.
Acordei com o sol a tocar meus cabelos. As vozes
de uns no salão me servirão de guia pra saber onde estava... da fogueira amiga
apenas fumaça restara... levantei-me e sequei o sereno que ficara na pele...
sentei com alguns no salão e observei os murmúrios sobre a noite passada... nem
acreditara como tantas versões diferentes ocorreram numa mesma noite... em um
mesmo lugar... depois sentei ao lado da Cobra e sapinha no sol e pus-me a
pensar, no pq dessas nuances...
Logo mais fomos tomar café, seguido de uma longa
conversa encabeçada pelo mestre... comovente... muitos ensinamentos.
Veio o tão esperado trabalho com o cachimbo. E não
podia ser diferente... liberdade pura, deu-me asas e um resgate de uma J. que
encontro poucas vezes... a J. moleca... travessa e sem medo de ser ridícula e
feliz...dei asas aos meus prazeres e interagi com o "mestre" que dançava
pelo ar... abracei minhas amigas árvores, ouvi os sussurros da terra e sentei
próxima de meus queridos amigos que também davam vazão aos seus sentidos...
Voltamos ao salão, mais conversas... e terminamos
por fazer a meditação da ávore sagrada... confesso que me emocionei rss
Esse rito pra mim, foi diferente de todos os
outros... teve uma magia simples e confortável que há muito não sentia...
resgatei boa parte de uma felicidade que nem sabia que existia.
Só tenho a agradecer aos deuses e universo pelo
presente da vida, “vivenciada” ali. Aos companheiros de caminhada e aos bruxos
sempre tão empenhados e cautelosos, ao dividir experiências e conhecimento.